Por Ana Rocha* no Portal da Fundação Maurício Grabois
“Elza Monerat representa o contraponto ao ideário neoliberal que estimula o individualismo e as disputas. É um exemplo vivo da militância abnegada em prol de uma causa justa, de uma rebeldia por um mundo melhor”.
Quem via aquela velhinha de cabelos brancos, simpática e sorridente, não podia imaginar a fortaleza que abrigava. A determinação, a firmeza e a coragem se impunham no primeiro contato com Elza Monnerat.
O meu primeiro encontro com Elza foi em 1975, quando saia do Brasil pra trabalhar na Radio Tirana. Na verdade não vi o seu rosto, apenas sua voz que nos conduzia ao aparelho clandestino da direção nacional, onde receberíamos as orientações da nova tarefa. O mesmo local, que um ano depois seria invadido pela repressão, e quando Elza seria presa e torturada. Muitos anos depois, já Presidente do PCdoB RJ, passei a conviver e conhecer mais de perto o valor dessa grande mulher, que orgulha e engrandece o PCdoB.
A independência, um bem conquistado e preservado, foi uma atitude diante da vida para Elza. Conseguir se alfabetizar e estudar, trabalhar fora, ajudar os irmãos a estudar, o esporte de escalar montanhas, o tornar-se comunista, foram decisões e compromissos que sempre colocaram Elza à frente do seu tempo.
Nunca foi de grandes teses, mas de grandes atitudes, uma militante exemplar na sua firmeza e disciplina no cumprimento das tarefas, mas ao mesmo tempo sensível e solidária com os problemas dos que a cercavam. A sua generosidade com os caseiros que cuidaram do seu sítio quando ela estava na clandestinidade, a preocupação com a sobrinha que tinha duas filhas pequenas para criar, era a mesma generosidade que demonstrava com o partido e seus militantes, na verdade, sua segunda família.
Elza plantou a semente da resistência por um Brasil melhor, democrático e socialista e nos legou o exemplo de humanidade, de respeito e solidariedade. A sua imagem sempre foi associada à da professora rigorosa no português, à da militante abnegada e disciplinada, à de dirigente responsável e confiável, à da guerrilheira do Araguaia, incansável na busca dos desaparecidos na guerrilha, à de intrépida defensora da democracia e dos ideais socialistas.
Contraponto militante
Elza representa o contraponto ao ideário neoliberal que estimula o individualismo e as disputas. É um exemplo vivo da militância abnegada em prol de uma causa justa, de uma rebeldia por um mundo melhor.
Entrou para o partido em 1945 assumindo as tarefas de todo ativista de base e anos depois já tinha responsabilidade junto à direção. Sempre esteve do lado dos que defendiam uma mudança revolucionária para o Brasil e foi uma dos que assinaram a carta dos 100 em defesa do programa e dos estatutos do partido. Participou da Conferência Extraordinária que reorganizou o PC do Brasil em l962, passando a integrar desde então sua direção nacional. Foi revisora do jornal A Classe Operária e após o golpe militar de 64 passou a ser responsável pela montagem dos aparelhos clandestinos de reunião da direção e era quem levava os dirigentes às reuniões clandestinas. Foi imprescindível à sobrevivência do partido. Seu rigor nas normas de segurança salvou muitas vidas, inclusive a de João Amazonas, em um episódio no período da guerrilha, que ela relatava para os jovens militantes.
Ela não gostava de holofotes, mas participava de todas as cenas da vida partidária e das grandes decisões e batalhas fundamentais da luta do povo, como foi a guerrilha do Araguaia.
Mulher contestadora dos padrões conservadores
Elza faz parte de uma legião de mulheres que não cruzaram os braços diante das injustiças, nem dos preconceitos e foram à luta. Sua rebeldia começou na infância, e não foi à toa que seus colegas lhe deram o apelido de “Elza bárbara das selvas” por sua fuga dos padrões da época, chegando a integrar o time de futebol da escola. Contestava os papéis femininos que a mãe ansiosamente tentava lhe incutir, questionava as diferenças sociais, as relações patrões-empregados.
Elza Monnerat, João Amazonas, Ana Rocha e dirigentes do partido no Rio de Janeiro (Foto: Arquivo)
Elza se inspirava no exemplo de seu pai que compartilhava dos sentimentos oposicionistas da época, que exaltava a bravura dos rebeldes do Forte de Copacabana em l922, que haviam jurado fidelidade à sua causa até a morte, à epopéia da Coluna Prestes. Foi a partir desses exemplos que Elza passou a sonhar em ser revolucionária, a buscar mudar o mundo de injustiças.
A morte do pai e as subseqüentes dificuldades financeiras levaram-na a buscar seu sustento financeiro, fugindo do padrão de vida familiar para as moças de sua época. A libedade para trabalhar fora e garantir o sustento e o estudo dos seus irmãos tornou-se o centro de suas preocupações. Da escola rural foi lecionar no Colégio Brasil em Niterói, descortinando um mundo de novos desafios. Mais tarde, já funcionária pública, Elza se filia ao partido e milita em uma base de seu local de trabalho e segue a concretização de seu sonho de criança de ser revolucionária.
A marca da coragem e rebeldia
A determinação de defesa de seus ideais, sua história de coerência e de defesa dos injustiçados fez com que enfrentasse seus algozes repressores com altivez. Sua primeira e única prisão foi em l976, na conhecida chacina da Lapa. Aos 63 anos, presa e encapuzada, cercada de policiais, gritava: “Abaixo a ditadura”. Como afirmou Verônica Bercht no livro Coração Vermelho: “Os policiais que prenderam Elza talvez não fizessem idéia da importância daquela mulher para o partido e para os esquemas adotados para proteger os quadros dirigentes na clandestinidade. Era uma figura-chave, que sempre conseguia driblar a repressão e, em 31 anos de militância era presa pela primeira e única vez. Um dos policiais de certa forma reconheceu isso quando disse: ‘A senhora, com essa cara de vovó boazinha, passou várias vezes por nós e nunca desconfiamos’”.
Ela não foi poupada das atrocidades cometidas pela repressão policial contra aqueles que se opunham à ditadura militar. Resistiu às torturas e não parou de lutar, participando de uma greve de fome dos presos políticos brasileiros. Só foi libertada em 31 de agosto de l979, após a anistia.
Continuou atuando no partido, participou da luta pela democracia, pela localização dos mortos e desaparecidos na Guerrilha do Araguaia, ou seja continuou no posto de revolucionária. Nos seus 90 anos, teve toda a família reunida, inclusive seus amigos e dirigentes comunistas. Mesmo adoentada mostrou a sua fibra rebelde, fazendo questão de subir em uma pedra que fazia lembrar o esporte de montanhista. E, ao final da festa, quando todos pensavam que ia se recolher para descansar pediu para discutir as novidades políticas com os comunistas presentes e ler o jornal A Classe Operária.
Elza se foi no dia 11 de agosto de 2004. Mas ficou a semente que plantou de simplicidade e solidariedade, de abnegada militância por um mundo melhor. Exemplo da rebeldia das mulheres contra os padrões conservadores. Ocupou com coerência e competência espaço na direção partidária, reforçando a necessária participação das mulheres na politica e em postos de decisão.
Que as novas gerações reguem, façam crescer e se reproduzir a semente plantada por Elza Monnerat.
*Ana Rocha , psicóloga e jornalista, foi presidente Estadual do PCdoB/RJ, atualmente Secretária da Mulher do PCdoB RJ, membro do Comite Central do PCdoB.
** Artigo publicado na Revista Princípios 75, outubro/novembro de 2004, atualizado e enriquecido pela autora.