por Batista Lemos, presidente estadual do PCdoB-RJ
Li recentemente uma coluna do Cacá Diegues no jornal O Globo em que este lembra da Semana de Arte Moderna que acontecera, nesta mesma semana de fevereiro, em 1922. Movimento impulsionado por jovens artistas, no qual alguns tiveram contato com as vanguardas artísticas européias, ansiavam à arte brasileira um contato mais próximo com a realidade e peculiaridades nacionais. Daí as fortes críticas em relação ao parnasianismo, de vocabulário rebuscado e formal, e ao cenário cultural da então República Velha.
A arte para esses modernistas se colocava como um instrumento de resistência e transformação social. Assim se deu com a leitura de “Os Sapos” de Manuel Bandeira ao criticar abertamente o formalismo parnasiano e o poema de Mário de Andrade, “Ode ao Burguês”, em que o autor subverte o sentido da ode para proclamar um discurso ácido em que insulta a burguesia nacional ao contrastar a imensa desigualdade social como nos versos “_ Ai, filha, que te darei pelos teus anos?_ Um colar… _ Conto e quinhentos!!!_ Más nós morremos de fome!” Apesar do impacto da Semana em si não ter sido tão relevante naquele primeiro momento, ao longo dos anos esse evento se mostrou como um marco, um ponta pé inicial para as transformações sociais que o Brasil começara a ter. Não à toa em que em março daquele mesmo ano seria fundado em Niterói o Partido Comunista do Brasil, que iniciava suas mobilizações na esteira das agitações do operariado urbano.
O Brasil de hoje, sob a presidência de Bolsonaro, elencou a cultura como uma dos principais fatores a serem combatidos pela “guerra ideológica”. Roberto Alvim, o nazi-fascista ex-secretário de cultura, configurou uma iniciativa de esvaziar a liberdade artistística como política pública, para patrocinar e impulsionar os projetos alinhados com o projeto ideológico deste governo. A reação a seu discuro foi imediata e intensa, resultando em sua queda. Apesar disso,, é fundamental desmontar também esse projeto em curso.
Em resposta à esses ataques os artistas brasileiros vem demonstrando genialidade e excelência. Assim se deu com o sucesso no cinema com Bacurau, vencendo o Prêmio do Júri em Cannes, e Democracia em Vertigem, indicado ao Oscar por melhor documentário. O primeiro filme realiza uma distopia de um povo que luta pela sua independência, em não ser explorado e aviltado pelos interesses estrangeiros. O povo de uma pacata vila se mostra resistente e pronto para a luta, o que marca também toda a sua história, que não é vista, pois os visitantes ignoram o museu da cidade. O segundo filme narra, com um incrível olhar subjetivo, a história da queda de um governo popular e democrático no Brasil por uma oligarquia mesquinha. O cinema nacional volta com vigor à cena internacional, o que é resultado de um desdobramento de anos e anos de investimento público com a ANCINE e as leis de incentivos fiscais.
No carnaval, uma das maiores festas populares brasileiras, essa gente que se encontra instalada no poder também tenta arrefecer os desejos do povo. O prefeito Crivella anuncia uma maior repressão e controle contra os chamados por ele de “megablocos”. Controle de acesso, revista, detector de metal… criam um ambiente de medo e pavor para tentar estragar a festa popular. O Rio anualmente realiza eventos de grande proporção, como é o carnaval, que atrai turistas, recursos e investimentos para a cidade. Utilizam o discurso de ordem urbana para esvaziar os blocos da cidade. Contudo, o samba resiste. A escola de samba Mangueira que no passado deu uma aula na avenida ao cantar “a história que a história não conta” e anunciando que “chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês”, esse ano também irá tecer fortes críticas aos falsos cristãos que pregam o ódio. Esses “profetas da intolerância” que estão empenhados em colocar o Brasil na eterna condição de colônia. Como diz o samba deste ano, ao narrar a história de Jesus como muitos brasileiros negros e negras, pobres, moradores das favelas e periferias. Com o pai carpinteiro desempregado e mãe como as marias das dores Brasil, o samba da mangueira dá o recado: “favela pega a visão, não tem futuro sem partilha nem messias de armas da mão. Favela pega a visão, eu faço fé na minha gente que é semente do meu chão.”
Cabe lembrar que também a construção do Sambódromo foi fruto de um enfrentamento, principalmente contra aqueles que desacreditavam na capacidade do Estado. O governador Brizola enfrentou esses interesses, principalmente ligados à Rede Globo e aqueles que ganhavam com o custo do “monta e desmonta” das estruturas temporárias do antigo desfile. Além da passarela do samba, na mesma instação, funcionaria também uma escola pública. Principal marca de seu governo com os CIEP’s.
Nesses tempos obscuros a arte ainda resiste. Dá a força necessária para o impulso da retomada, pois “a esperança brilha mais forte na escuridão.” Assim nos mostram os petroleiros que paralisaram as suas atividades em defesa da Petrobras, os “cedaianos” que lutam contra a privatização da água no Rio de Janeiro diante dessa crise que já se arrasta. Nas cidades mais afastadas, cresce a fila de espera por auxílio do bolsa família, somando já mais um milhão de pessoas.
Reagir é mais que preciso, é uma necessidade diante da paralisia e do desastre que representa o governo Bolsonaro para o povo brasileiro.